quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Entrevista com Machado de Assis


RA. Qual sua opinião sobre o mundo... ?
MA. O mundo é um par de suspensórios. Quem põe o nariz fora da porta vê que este mundo não vai bem. A razão do meu receio é a crença que me devora de que o mal estava acabado, a paz sólida, e as próprias tempestades e moléstias não seriam mais que mitos, lendas, histórias para meter medo às crianças.
RA. Em que nível se dá a discussão literária no Brasil?
MA. A discussão literária no nosso país é uma espécie de steeple-chase, que se organiza de quando em quando; fora disso, a discussão trava-se no gabinete, nas ruas e nas salas. Não passa daí.
RA.A enxurrada de maus poetas afeta de algum modo a poesia?
MA. A poesia deixa de ser a misteriosa linguagem dos espíritos só porque alguns maus rimadores foram assentar-se ao pé do Parnaso?
RA. Apenas esse motivo levou à condenação do indianismo?
MA. Não, havia um outro motivo para condená-lo. Supunham os críticos que a vida indígena seria, de futuro, a tela exclusiva da poesia brasileira, e nisso erravam também, pois não podia entrar na idéia dos criadores obrigar a musa nacional a ir buscar todas as suas inspirações no estudo das crônicas e da língua primitiva. Felizmente o tempo vai esclarecendo os ânimos; a “poesia dos caboclos” está completamente nobilitada; os rimadores de palavras já não podem conseguir o descrédito da idéia, que venceu com os autores de I-Juca-Pirama e Iracema.
RA. Que sente um escritor ao saber, como no seu caso, que milhares que lhe leram a obra votam-lhe extrema afeição?
MA. Há desses amigos que um escritor tem a fortuna de ganhar sem conhecer, e são dos melhores. É doce ao espírito saber que um eco responde ao que ele pensou, e mais ainda se o pensamento, trasladado ao papel, é guardado entre as coisas mais queridas de alguém.
RA. E quanto ao senhor?
MA. De mim, confesso que tal é o medo que tenho de ser enterrado vivo, e morrer lá embaixo, que não recusaria ser queimado cá em cima. Poeticamente, a incineração é mais bela. Vêde os funerais de Heitor...
RA.Pra você o que mostra avisão do conto ''a cartomante''?
MA.Mostra a visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas (abolição do final feliZ).
RA. Existe a presença onisciente do autor, que usa desta onisciência na narração e descrição dos fatos?
MA. O uso constante de uma voz onisciente é importante para dinamizar o relato da historia acentuando os momentos dramáticos do texto e conflitos internos dos personagens, fortalecendo seu epílogo.
RA.E por que tanto pessimismo, ceticismo? O senhor não acha que o homem mereça um crédito, que o homem seja bom?MA.
Eu não defendo teses. Eu apenas escrevo. Nos meus livros, eu não afirmo que o homem seja mau por natureza ou que este ou aquele setor da sociedade seja bom ou ruim. Se o leitor enxerga isso nos meus textos é porque consegue depreender isso das entrelinhas. E se o faz é porque talvez tenha no mundo real, fora dos meus livros, indícios para pensar assim... Mas os meus personagens podem estar errados. Aquela era uma visão do século XIX. Veja como a humanidade progrediu. O Rio de Janeiro, na minha época era um esgoto a céu aberto. Havia ratos para todo lado, cólera, dengue. Imagina você, minha jurássica apresentadora, que havia até larápios, gatunos, a furtar flores dos jardins públicos. Hoje, tudo mudou. Realmente, não havia motivo para ceticismo...
Ramile Bruna.

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